Da Polca ao Chorinho
A história começa com os índios e com a música feita pelos
jesuítas, em sua maioria, músicos de formação, que aqui aportaram. Esse
encontro entre a música dos jesuítas e a música dos indígenas é a pré-história
da música popular do Brasil. A evolução desses ritmos primitivos, como o
cateretê ou o cantochão, são ainda hoje tocados em festas populares.
A influência portuguesa foi a mais vasta de todas. Os
portugueses fixaram o nosso tonalismo harmônico; deram-nos a quadratura
estrófica; provavelmente a síncope que nos encarregamos de desenvolver ao
contato da pererequice rítmica do africano; os instrumentos europeus, a
guitarra (violão), a viola, o cavaquinho, a flauta, o oficleide, o piano, o
grupo dos arcos; um dilúvio de textos; formas poético-líricas, que nem a Moda,
o Acalanto, o Fado (inicialmente dançado); danças que nem a Roda, infantil;
danças iberas que nem o Fandango; danças dramáticas que nem os Reisados, os
Pastoris, a Marujada, a Chegança, que às vezes são verdadeiros autos. Também de
Portugal veio a origem primitiva da dança dramática mais nacional, o
Bumba-meu-Boi.
A música popular do Brasil colonial só se tornaria mais
forte no final do século 17, com o lundu, dança africana de meneios e
sapateados, e a modinha, canção de origem portuguesa de cunho amoroso e
sentimental. Esses dois padrões, a influência africana e a europeia, alternaram-se
e combinaram-se das mais variadas e inusitadas formas durante o percurso que
desembocou, junto a outras influências posteriores, na música popular dos dias
de hoje, que desafia a colocação de rótulos ou classificações abrangentes.
Durante o período colonial e o Primeiro Império, além dos já citados lundu e
modinha, também as valsas, polcas e tangos de diversas origens estrangeiras
encontraram no Brasil uma nova forma de expressão. As valsas e polcas se
tornariam um dos ingredientes para "um negócio sacudido e gostoso", o
Choro.
Não importa como é chamado, a verdade é que o Chorinho é a
cara do Brasil. Grandes maestros da música afirmam que é impossível criar um
rock moderno, original e revolucionário sem um profundo conhecimento das
tradições musicais de nossos ancestrais. Mas como toda regra tem sua exceção, o
Chorinho veio para provar exatamente o contrário.
O Choro, não como gênero musical, mas como forma de tocar,
apareceu por volta de 1870, no Rio de Janeiro. Eram pequenos grupos musicais
formados por modestos funcionários do Governo, que utilizavam a flauta como
"solista", o violão como "baixaria" e o cavaquinho como
"centro". O virtuoso flautista e líder do grupo Choro Carioca,
Joaquim Antônio da Silva Calado foi um dos iniciadores e organizadores desses
conjuntos. Elaborava um novo estilo musical que incorporava improvisação, e
desenvolvia um novo diálogo entre solo e acompanhamento. A participação
ocasional ou improvisada dos instrumentos é que determinava a função de cada um
no conjunto musical. No início, o Choro era a expressão brasileira dos estilos
musicais europeus, mas logo perdeu esse caráter importado, incorporando
características e feições perfeitamente brasileiras.
No entanto, foi com Pixinguinha, considerado o Bach do
Choro, que o novo estilo musical ganhou maturidade, forma e orientação. Ele
organizou diversos grupos, tocou durante seis meses em Paris em Os Oito
Batutas, e quando retornou ao Brasil, introduziu o saxofone e o trompete no
repertório. Juntamente com Pixinguinha, outros ilustres nomes do Choro formavam
Os Oito Batutas, como João Pernambuco, violinista e compositor de choros para
violão, e Donga, coautor de "Pelo Telefone", primeiro samba gravado
no país. É nessa relação que o Choro se aproxima do samba.
Não podemos deixar de mencionar outros artistas importantes
que contribuíram para o sucesso do Choro no Brasil. Benedito Lacerda, Luiz
Gonzaga, Chico Buarque, Godofredo Guedes, Clementina de Jesus, Jackson do
Pandeiro, Elizete Cardoso estão entre as muitas gerações do Choro. O Choro
também sempre esteve presente nos concertos musicais clássicos, influenciando
as composições de Villa-Lobos, Ernesto Nazaré e do maestro Radamés Gnattali.
No entanto, no início dos anos 60, época do nascimento da
Bossa Nova, o Choro foi praticamente esquecido pelo público e pela mídia. Até
hoje não se sabe o motivo real que levou a esse esquecimento. A Bossa Nova
decolou, enquanto o mundo inteiro tocava e cantava "Garota de
Ipanema". O Choro passou a ser visto como um gênero velho, que despertava
o interesse dos aposentados e das camadas mais baixas da sociedade. Ao mesmo
tempo a Bossa Nova passou a integrar o foro das camadas elitizadas da
população. O consagrado Choro viu-se restrito ao mundo exclusivo de seus
grandes músicos.
No início dos anos 70, Paulinho da Viola faz o Choro
renascer. Ao gravar Memórias: Chorando, traz de volta o gênero esquecido, que
passa a ser estimulado por diversos músicos como Paulo Moura e Hermeto Pascoal.
E até hoje o Choro está aí. Conquistou autonomia e se impôs como um dos
principais gêneros musicais do Brasil. Ganhou espaço no contexto musical
internacional e hoje novos artistas estão propondo inovações. O músico Manuel
Antônio Filho, integrante do Trio Corda & Choro, por exemplo, resolveu
inovar. Misturou os tradicionais violão e bandolim do chorinho, com o tom
clássico do violoncelo em suas composições. A novidade parece ter agradado. Há
um mês o grupo se apresenta num restaurante carioca e o público parece estar
adorando.
Fonte: SIQUEIRA, Antônio. Uma breve história da música
popular brasileira. Dispnível em:
<http://www.germinaliteratura.com.br/2009/musica_antoniosiqueira_out2009.htm>.
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